Não, nem se insinue o contrário; o presente artigo não carrega conotação acadêmica, e portanto não ganha o desenho adequado ao segmento de cognitividade privilegiada, afinal se trata de uma opinião retirada da experiência cotidiana nos tribunais e foros pátrios a respeito da profusão em incidências das denominadas medidas cautelares no processo penal, mesmo além de efetiva necessidade.
Como de sabença no mundo jurídico nacional a Lei n. 12.403, de 04 de maio de 2011, reformulou a dualidade legislativa existente da prisão processual – assim adjetivada a prisão preventiva, e tantas vezes extravasada – e da liberdade provisória para alargar os institutos em outras e diversas medidas de natureza cautelar com cunho pessoal ou subjetivo, muito além daquelas consideradas como reais (arts. 125 a 144 do CPP) ou como probatórias (arts. 240 a 250 do CPP), a considerar alterações posteriores, que em verdade não comprometeram sua essência, como o advento da Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019, cognominada de “Lei Anticrime” (!).
As medidas cautelares pessoais ou subjetivas submetem-se aos requisitos gerais havidos como o fumus boni juris e o periculum in mora, que em matéria penal transmutam-se em fumus commissi delicti e periculum libertatis, isto é, a concreta presença de um crime e de indícios que conduzem à autoria ou participação. Sem lastro em seus requisitos as incidências (aplicação de alguma medida cautelar) ferem de morte o princípio do devido processo legal, de consagração dentre os direitos fundamentais reportados por nossa Constituição Federal (1988).
A se observar a existência de condicionantes para a aplicação de tais medidas cautelares, como a sujeição a um crime que tem como resposta abstrata, isolada, alternativa ou de forma cumulativa, uma sanção privativa de liberdade, e estar em consonância ao disposto no art. 282 do CPP, relevantemente o supedâneo na necessidade. Dessarte, não basta estar diante de uma conduta contrária a lei penal para caracterizar risco ou turbulência à investigação criminal que poderá surgir, ou à futura instrução do processo penal, ou ameaçar a almejada eficácia do devir de um provimento jurisdicional, a ser proporcionado pelo agente investigado ou acusado. Não; o chamado periculum libertatis há de emergir em concreto dos fatos apurados, suas circunstâncias e também as condições pessoais do agente. Numa palavra, a medida ou medidas cautelares para subsistirem devem apresentar-se como necessárias, isto é, necessidade.
Todavia, o que sobra em verificar, desde sua implantação no ordenamento jurídico processual penal, é uma perenidade à todas as situações que aparentemente não encontram justificativa na prisão preventiva (instituto que, aliás, igualmente encontra incidência indiscriminada !!!), indo muito além da sua real necessidade. Assim como a prisão preventiva não pode ser pau para toda obra, as medidas cautelares diversas também não. Há que existir critério de racionalidade em as aplicar, separando os casos em que verdadeiramente elas se mostram comportáveis, haja vista não conterem em sua natureza conotação retributiva; não serem um castigo.
O que se vislumbra, num caminho de observância, prima facie, é um certo afastamento, até robotizado, não dos essenciais pressupostos da real existência de um crime com cominação de sanção privativa de liberdade e de indícios de que o investigado ou acusado seja o seu autor ou partícipe, mas dos relativos ao que prevê o art. 282 do CPP, e se há uma imprescindibilidade para o ajuste com medidas cautelares de suficiência, elencadas no art. 319 do CPP, que se tornam cabíveis à espécie, afinal todas abrigam, em menor ou maior escala, restrição ao direito de locomoção do agente, porém cada qual contém especificidades que não servem à totalidade das hipóteses.
E dessarte, grosso modo, não se verifica no universo de condutas que contrariam a lei penal um detido exame de caso a caso, eis que – e perdão pela crueza! – há uma açodada profusão de incidências de medidas cautelares, como dito, automaticamente distribuídas, carecendo de racional senso para sua necessidade. Campo que está a precisar de outros olhares. E muito atentos!
Por Raul Schaefer Filho, Procurador de Justiça do MPSC aposentado e Advogado.